terça-feira, 19 de julho de 2011

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No final de 2004, um obscuro executivo iraniano radicado em Londres se transformou no grande ídolo da segunda maior torcida do país. O dinheiro que Kia Joorabchian despejou no Corinthians rendeu um time de estrelas e um título importante. Os corintianos se acostumaram a gritar seu nome nas arquibancadas, consagrando o cartola falastrão, gastador e enrolado. Três anos depois, porém, Kia passava de herói a vilão do Corinthians. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público revelaram que os negócios da MSI são irregulares. Quais são as conseqüências do caso?
 
1. Qual era o objetivo declarado da parceria entre Corinthians e MSI?
 
O acordo, costurado em agosto de 2004 e oficializado em novembro daquele mesmo ano, previa um período de investimento de dez anos pela Media Sports Investments, a MSI. O empresário Kia seria o representante do fundo de investidores no país, responsável por gerenciar os recursos externos e fechar negócios em nome do Corinthians. Kia era o único rosto conhecido da parceria -- os investidores estrangeiros responsáveis pelos investimentos permaneciam desconhecidos, assim como a origem do grande fluxo de dólares que chegava desde Londres, sede da MSI. Em troca da compra de jogadores (e de promessas como a construção de um estádio e a criação de um canal de TV por assinatura do clube), a MSI poderia explorar o departamento de futebol corintiano, negociando contratos publicitários e recebendo os lucros de vendas de atletas. Os responsáveis pelos investimentos receberiam parte da receita e se comprometiam a continuar gastando dinheiro com contratações, mantendo sempre um "supertime".
 
2. Quais foram os resultados do negócio entre clube e fundo estrangeiro?
 
Kia gastou cerca de 115 milhões de reais em contratações no primeiro ano de parceria. Trouxe jogadores famosos e promissores, como os argentinos Tevez e Mascherano e os brasileiros Nilmar, Carlos Alberto e Roger, entre vários outros. Gastou até com um técnico estrangeiro e caríssimo: Daniel Passarella, demitido depois de perder por 5 a 1 para o São Paulo no Pacaembu e ser ameaçado por uma invasão de torcedores ao gramado. Apesar de fracassar no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil, o time foi campeão brasileiro em 2005, troféu marcado pelo escândalo da máfia do apito e por um erro crucial de arbitragem no jogo decisivo contra o Internacional, vice-campeão. Em 2006, a parceria começou a fazer água. As brigas internas e trapalhadas de Kia e da diretoria do Corinthians prejudicaram as campanhas da equipe, que não levantou a tão sonhada taça da Copa Libertadores e fracassou também nas outras competições do ano. Em 2007, foram novos fiascos: no Paulista, no Brasileiro e na Copa do Brasil.

3. O que aconteceu com a parceria depois dos fracassos no gramado?
 
Os rolos de Kia, as disputas políticas no clube e a natureza obscura dos investimentos ficaram em segundo plano enquanto houve bons resultados em campo - a partir de 2006, porém, a parceria tornou-se um enorme problema. Kia levou Tevez e Mascherano para a Europa e fechou a torneira de dólares. O clube passou a pressionar a MSI na esperança de contratar novas estrelas e pagar as dívidas, que não paravam de crescer. No começo de 2007, com o Corinthians abandonado pela empresa e por seu próprio presidente, que passava a maior parte do tempo em Londres, os conselheiros votaram pela dissolução da parceria. Na teoria, o elo entre Corinthians e MSI ainda existia. A relação entre as partes, contudo, se resumia às trocas de acusações e cobranças. A sede paulistana da MSI deixou de existir; sem receber, o quadro de funcionários ficou esvaziado. Dois anos depois de armar o time mais caro da história do futebol brasileiro, o Corinthians tentava se sustentar com um time cheio de novatos e desconhecidos.

4. Fora de campo, qual foi o desfecho da parceria entre empresa e clube?
 
Um dos maiores escândalos já ocorridos no esporte brasileiro. E o caso está longe de terminar: há a possibilidade real de que os principais envolvidos na parceria terminem presos. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público identificaram uma longa lista de crimes no clube. Há suspeitas de evasão de divisas e sonegação fiscal. Gravações telefônicas interceptadas com autorização judicial mostram Kia falando abertamente em lavagem de dinheiro. Um inquérito da PF também investigará dirigentes do clube e da MSI por formação de quadrilha. O trabalho da PF, chamado Operação Perestroika, mostrou que os crimes foram além das irregularidades denunciadas desde 2005 pelo Ministério Público Federal. Suspeita-se que a MSI pagava suas estrelas (como Tevez, Mascherano, Carlos Alberto, Nilmar e o técnico Emerson Leão) no exterior -- numa conversa gravada entre Carlos Alberto e a sua ex-mulher, a moça ameaça "abrir a boca sobre o depósito do salário, que é feito metade aqui e metade no exterior".

5. Quais são os principais personagens do escândalo e seus crimes?
 
Em julho de 2007, a Justiça Federal determinou pedido de prisão preventiva contra Kia Joorabchian e o magnata russo Boris Berezovski, o principal investidor da MSI. Nojan Bedroud, diretor da empresa, também foi alvo do mesmo pedido. São acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. No Corinthians, foram denunciados vários dirigentes, incluindo o então presidente, Alberto Dualib, e seu vice, Nesi Curi. O empresário Renato Duprat, que intermediou o acordo para a parceria, o advogado Alexandre Verri, advogado com procuração da MSI, e o dirigente Paulo Angioni, ex-diretor da empresa, também foram citados no processo. O juiz da 6ª Vara Federal, Fausto Martin Sanctis, deu início ao processo criminal e marcou os depoimentos dos envolvidos para o segundo semestre. Se Kia e Berezovski entrarem no país, serão presos. Conforme os autores da denúncia, os procuradores Rodrigo de Grandis e Silvio Martins de Oliveira, a "quadrilha" corintiana movimentou cerca de 61 milhões de reais de origem ilícita.

6. O que dizem os acusados e suspeitos de envolvimento no escândalo?
 
Entre os alvos da denúncia formal, Kia e Berezovski não se pronunciam -- continuam em Londres, longe do furacão corintiano. Alberto Dualib nega envolvimento em crimes: "No telefone, 95% do que se fala não acontece, e isso não serve de prova", disse ele sobre os grampos da PF. Os jogadores que teriam recebido dinheiro fora do país não reconhecem a prática -- garantem que tudo foi feito dentro da lei. O técnico Leão, que ganhava 500.000 reais mensais, também nega ter recebido de forma ilegal. Jogadores e técnico seriam ouvidos pela PF dentro das investigações da Operação Perestroika. Enquanto a PF intensificava os trabalhos de apuração, Kia se casava com a advogada Tatiana, que trabalhava na MSI. Alberto Dualib e seu vice estavam afastados da presidência do clube. O retorno da dupla ao poder era considerado impossível. No lugar de Dualib assumiu o presidente interino Clodomil Orsi -- que também pode ser envolvido no caso, pois assinou notas frias falsas fornecidas por uma empresa de contabilidade.

7. Qual é o personagem decisivo para o desfecho de todo o episódio?
 
É o magnata russo Boris Berezovski, uma das figuras mais controvertidas do neocapitalismo pós-soviético. Homem de múltiplos talentos, Berezovski entrou para o mundo dos negócios com o colapso do comunismo e enriqueceu com as privatizações no regime de Boris Ieltsin. Com a ascensão de Vladimir Putin em 2000, Berezovski caiu em desgraça. Acusado de corrupção e ligação com a máfia russa, exilou-se na Inglaterra. A participação do russo no negócio com o Corinthians era suspeitada desde o início da parceria, mas sempre foi negada pelos dirigentes. A PF e o MP, contudo, foram claros: Berezovski era o dono do negócio, e Kia era apenas um "laranja". Provado esse envolvimento do russo, fica aberto o caminho para a punição dos crimes, já que estaria caracterizado o esquema de lavagem de dinheiro. Outro fato grave ligado ao russo é a revelação, nos grampos da PF, de toda a mobilização política para permitir que Berezovski visitasse o Brasil, fizesse mais negócios e até falasse com o presidente Lula.
 
8. Quem estava por trás das tentativas de trazer o russo até Brasília?
 
O ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, que teve três encontros com o enroladíssimo magnata, dono de uma fortuna avaliada em 10 bilhões de dólares. De acordo com um petista familiarizado com os negócios de Dirceu, o principal assunto entre o ex-deputado e Berezovski foi a Varig -- seu fundo de investimento teria 1 bilhão de reais que seria destinado à compra da empresa. O papel de Dirceu, ainda segundo esse petista, era convencer o governo brasileiro a colocar 100 milhões de reais na transação por meio do BNDES. Os três encontros de Dirceu com Berezovski ocorreram numa mansão no bairro do Pacaembu, em São Paulo, cedida por Renato Duprat. A idéia de José Dirceu, conforme comentou com um interlocutor, era arrancar uma comissão de uns 20 milhões de dólares intermediando o negócio da Varig e, com isso, pagar campanha eleitoral para o PT. Um dia depois de se reunir pela última vez com Dirceu, o magnata russo foi interrogado durante oito horas pelos 2 procuradores que investigam a MSI.

9. Quais serão as possíveis conseqüências do escândalo no futebol?
 
O Congresso Nacional decidiu acompanhar mais de perto os negócios envolvendo clubes e empresários. Depois de uma audiência pública sobre o caso Corinthians-MSI no mês de setembro, a Comissão de Turismo e Desporto da Câmara decidiu investigar a fundo as transações do futebol, com apoio da Receita Federal. A intenção é descobrir novos casos de lavagem de dinheiro e corrupção no esporte. Alguns deputados se mobilizaram pela instalação de uma CPI sobre o tema, mas a extensa fila de comissões que esperam instalação na Câmara fez a idéia perder força. Na esfera internacional, o caso da MSI é uma das suspeitas que levaram a Fifa, entidade máxima do esporte, a criar uma comissão especial para refletir sobre o papel dos empresários no esporte. A preocupação se estende à Inglaterra, dona do campeonato nacional mais próspero e valorizado da Europa, onde os magnatas estrangeiros enrolados em seus países gastam milhões nos times, que têm ações negociadas na bolsa e podem ser comprados.

10. Do ponto de vista esportivo, o que pode acontecer no Corinthians?
 
A chance de punição ao clube pelo envolvimento com a MSI é considerada quase nula. Para muitos torcedores e comentaristas, a conquista do título do Brasileiro de 2005 deveria ser contestada de forma oficial. A justificativa é o uso do dinheiro de origem ilícita para comprar os jogadores responsáveis pelo sucesso do time em campo. Apesar dos indícios claros da prática de irregularidades, a punição não deve ocorrer. Nenhum artigo da legislação esportiva ou comum prevê a perda de troféu por causa de lavagem de dinheiro. Assim, a única marca que ficará será a moral - as torcidas adversárias, que já contestavam a legitimidade do título corintiano por causa do escândalo da máfia do apito, continuarão contestando a conquista do clube paulista. Se o título está garantido na galeria de troféus, o mesmo não pode ser dito do sucesso futuro do clube. Os problemas políticos e financeiros ainda prometem atrapalhar o Corinthians por muito tempo. Sem dinheiro e sem direção, o clube enfrenta a dura missão de se reconstruir.
 
 

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